Texto em valorização da brasilidade, da resistência e da resiliência. O legado da estilista mineira Zuzu Angel está mais vivo do que nunca na coleção Minha Casa em Mim, lançada no último domingo (8 de novembro) pelo estilista Ronaldo Fraga, no desfile que encerrou a São Paulo Fashion Week (SPFW). A coleção reúne o artesanato e a culinária feitos por artesãos e pequenos produtores da região de Mariana e Barra Longa, em Minas Gerais, em parceria com o estilista. São pessoas que, depois de terem suas vidas impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão, vêm superando as dificuldades e resgatando sua cidadania por meio de seu trabalho e de sua cultura.
A coleção Minha Casa em Mim é fruto de um trabalho realizado com 175 pessoas, de 13 grupos de artesãos atingidos direta e indiretamente pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). A coleção faz parte do projeto Catarse Coletiva, criado pela Fundação Renova em parceria com a Associação de Cultura Gerais (ACG), tendo Ronaldo Fraga como curador.
O projeto Catarse Coletiva tem como objetivo possibilitar o desenvolvimento e o fomento de boas ideias, construindo uma rede colaborativa que viabiliza a existência de produtos criativos. Na coleção Minha Casa em Mim, as criações reúnem tradição e sofisticação.
À mesa com Zuzu e Ronaldo
Os desfiles da edição deste ano da SPFW foram todos on-line, devido às restrições impostas pelo enfrentamento da Covid-19. Ao todo, foram 34 desfiles, e o de Ronaldo Fraga encerrou a edição na noite do último domingo. Ele foi projetado em um edifício em São Paulo, ao mesmo tempo em que era transmitido pelo canal da SPFW no YouTube e pelo perfil do Instagram.
O tema do desfile foi “Zuzu Vive”, uma homenagem à estilista Zuzu Angel, também mineira, de Curvelo, que completaria 100 anos em 2021. No vídeo, Ronaldo Fraga recebe Zuzu Angel para um jantar e aproveita para lhe contar muito do que se passou no Brasil desde sua morte, em 14 de abril de 1976, durante o regime militar. “Não é um encontro apenas de lamúrias, de lamentações. Não é só dar as notícias a alguém que lutou pela liberdade no Brasil, não é só para lhe dizer que muitas ‘zuzus angels’ ainda morrem neste país. Também é para dizer a ela que o seu legado está vivo. Zuzu vive na força dessas mulheres e na força desse Brasil que resiste. E que resiste com seus saberes e fazeres tradicionais”, conta Ronaldo, que já homenageou a estilista antes. Em 2001, ele levou às passarelas da SPFW o desfile “Quem matou Zuzu Angel?”, para lançar a coleção primavera-verão de 2002.
Para o estilista, Zuzu Angel foi uma mulher revolucionária. “Zuzu foi a primeira estilista a romper e desafiar o mainstream da moda internacional. Foi a primeira a usar símbolos de brasilidade, bordados feitos à mão, rendas do Nordeste. Foi a primeira a falar do ‘Brasil profundo’ na moda”, elogiou Fraga.
A conversa entre Zuzu e Ronaldo acontece ao redor de uma mesa, sobre a qual estão dispostos os produtos e iguarias produzidos pelos artesãos e pequenos produtores nas cidades de Mariana e Barra Longa e em seus distritos.
Estão ali o famoso prato de decoupagem de Mariana, o desenho do teto da Casa de Cultura bordado no pano de prato, os ipês coloridos bordados em cruzes decorativas, o cuscuz produzido em Padre Viegas, os jogos americanos em formato de taioba, os sousplats de pedra-sabão de Mariana, o vinho de jabuticaba de Monsenhor Horta, o doce de leite, o canudinho e a manteiga de Gesteira, as almofadas de Barra Longa, as namoradeiras, o doce de mamão de Camargos, a luminária de Cláudio Manoel, e até o sabão em pó e o “puxa-saco” produzidos por esses grupos.
Os materiais foram trazidos dos quintais das casas dos artesãos, como os bambus de Cláudio Manoel, que se transformaram em pássaros, ou a folha da bananeira, que se transformou na caixa para os doces do Coletivo de Camargos.
Como tudo começou
O trabalho de Ronaldo Fraga com os grupos para a coleção Minha Casa em Mim se iniciou em agosto de 2019. Mas essa parceria entre eles já vem desde 2018, quando a ACG e a Fundação Renova promoveram o encontro do artista com as bordadeiras de Barra Longa. Desse primeiro encontro resultou o desfile “As Mudas”, que foi o mais comentado da edição de 2018 da SPFW: peças bordadas pelas Meninas de Barra Longa, impactadas pela lama da barragem rompida, compuseram as roupas apresentadas na passarela, enquanto a jornalista e atriz Marília Gabriela fazia uma performance com uma roupa de linho manchada de marrom.
A parceria se renovou para o novo projeto, que possibilitou uma releitura e a ressignificação dos produtos artesanais e agropecuários desenvolvidos pelos 175 participantes.
A coleção, que teve a curadoria de Ronaldo Fraga, une a gastronomia à tradição do artesanato manual, apresentando produtos que valorizam a história de Mariana e o universo de Minas Gerais, resgatando saberes e fazeres por meio da economia criativa e da produção associada local.
Segundo Mirian Rocha, da ACG, “a coleção cria o desejo pela cultura de Minas Gerais, ultrapassando os limites do território, convidando todos a se juntarem em volta dessa mesa farta, a entrarem pela casa e se encantarem pela delicadeza em cada ponto bordado.”
Os produtos
Produtos utilizados no vídeo do desfile de Ronaldo Fraga e os grupos participantes:
- Feira Marte: Prato de decoupagem (jantar e sobremesa), porta-vela, jogo de mesa taioba
- FAM: Sousplat de pedra-sabão, cruzes de tecido
- Mães da Colina: Pano de copa Xô Uruca
- Movimento Renovador: Postal, jogo de mesa marafunda
- Arte mãos e flores: Puxa-saco
- Mãos que brilham: Sabão em pó
- Monsenhor horta: Vinho de jabuticaba
- Padre Viegas: Bandeja, cuscuz com mel, panos encerados
- Coop. Gesteira: Doce de leite, canudinho, manteiga
- Meninas da Barra: Almofada
- Casa das artes: Namoros em dias de festa (namoradeira)
- Camargos: Doce de mamão rosas crocantes de Ataide
- Cláudio Manoel: Luminária
Como assistir ao desfile
O desfile de Ronaldo Fraga na SPFW 2020 está disponível na página da SPFW no YouTube (https://www.youtube.com/SPFWoficial) e no perfil no Instagram (https://instagram.com/spfw).
O site da coleção
Também foi lançado no domingo o site da coleção Minha Casa em Mim (www.minhacasaemmim.com.br), que apresenta todos os produtos, com sua história e informações de seus produtores, e coloca-os à venda para o público.
“São produtos que vão para além da moda”, afirma Ronaldo Fraga. “Temos produtos diversificados e produtos de designers, diferenciados. Colocamos o designer e o artesão juntos, pois acredito ser um papel do designer brasileiro criar pontes entre os diferentes brasis.”
Sobre a Fundação Renova
A Fundação Renova é uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, constituída com o exclusivo propósito de gerir e executar os programas e ações de reparação e compensação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão.
A Fundação foi instituída por meio de um Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado entre Samarco, suas acionistas Vale e BHP, os governos federal e dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, além de uma série de autarquias, fundações e institutos (como Ibama, Instituto Chico Mendes, Agência Nacional de Águas, Instituto Estadual de Florestas, Funai, Secretarias de Meio Ambiente, dentre outros), em março de 2016.