Diante das mudanças climáticas e da destruição do Rio Doce pelo crime ambiental da Vale/BHP Billiton, em 5 de novembro de 2015, Linhares (ES) se despontou no cenário internacional e é a primeira cidade no mundo a reconhecer as ondas do mar como sendo seres vivos. O então projeto de lei ordinária 82/2023, apresentado na Câmara de Linhares pelo vereador e surfista Messias Caliman (PSD) foi sugerido por vários estudiosos, inclusive por professores do Instituto Oceanográfico (IO) da USP e da ONG Mapas.
O intuito, segundo a lei aprovada em meados deste ano, é reconhecer os direitos intrínsecos das ondas da Foz do Rio Doce, como ente especialmente protegido, contemplando-se os processos e ciclos ecológicos responsáveis por manter o equilíbrio do ecossistema. Ainda se refere à quebra (das ondas) “especialmente singular” na praia de Regência, caracterizada pela ondulação longa e tubular, competindo ao Poder Público e à coletividade “respeitar, proteger e conservar a integridade e identidade das Ondas da Foz do Rio Doce e os elementos que as tornam únicas.”
Colaborou com a redação do projeto a advogada e diretora da ONG Mapas, Vanessa Hasson. Em declaração à imprensa, Hasson disse: “Quando você se depara com uma lei que reconhece uma onda do mar como ser vivo, isso pode despertar um novo entendimento sobre nossa interdependência com a natureza. É uma lei que faz você pensar e agir de forma mais consciente e ecológica.”
”Desastre-crime no Rio Doce”
Em nota, a Câmara de Vereadores de Linhares relembra o crime ambiental da Vale/BHP Billiton, donas da mineradora Samarco, que não zelou pelas represas de lama tóxica e acabou permitindo o rompimento das barragens: “Com o desastre-crime do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana – MG, em 2015, toda a região sofreu alterações ambientais, sociais e econômicas, inclusive as ondas de Regência que diminuíram sua potência.”
De acordo com o vereador Messias Caliman, residente na comunidade e praticante do surf, os rejeitos “trouxeram uma lama que formou tipo uma laje no oceano, o que fez diminuir as ondas”, disse durante a discussão do Projeto de Lei nº82/2023,, na Sessão Ordinária do último dia 17 de junho. A região da Foz do Rio Doce, que abrange as comunidades de Regência e Povoação, possui uma singularidade que deve ser preservada. Principalmente as ondas do mar de Regência, que destacam o distrito como referência nacional na prática do surf”, diz a Câmara em sua nota.
Justificativa
Na justificativa de seu projeto, o vereador Caliman deu o seguinte argumento: “O presente projeto de lei confere às Ondas da Foz do Rio Doce o reconhecimento de direitos intrínsecos, tornando-a especialmente protegida, como forma de garantir ondas livres e sua singularidade que a tornam única no momento que as ondas quebram na região da Foz do Rio Doce, competindo ao Poder Público e à coletividade respeitar, proteger e conservar a integridade e identidade da Onda e os elementos que a tornam única.”
“O reconhecimento dos Direitos da Natureza em instrumentos legislativos municipais vem ganhando amplitude no Brasil, com destaque para a recente aprovação da lei do Município de Guajará Mirim-RO, que dispõe sobre o reconhecimento dos direitos do Rio Laje-Komi Memen, e seu enquadramento como ente especialmente protegido. Iniciativas semelhantes foram adotadas em Bonito (PE), Florianópolis (SC), Serro (MG) e Cáceres (MT)”, prosseguiu.
“O reconhecimento dos Direitos da Natureza enquanto titular de direitos parte do pressuposto reconhecimento da Natureza como sujeito de direitos, e não como objeto de direitos dos seres humanos, passível de sua apropriação e exploração. Em nível nacional, Bolívia e Equador foram os países pioneiros a adotar esse entendimento em seus arcabouços jurídicos”, continuou na sua justificativa.
Ondulação longa e tubular
Caliman ainda argumenta na sua justificativa que as ondas que quebram na foz do Rio Doce, especialmente as que quebram nas praias da comunidade de Regência, são internacionalmente conhecidas pela sua singularidade, com ondulação longa e tubular. Surfistas de todo o país se deslocam até a região para pegar ondas “perfeitas e tubulares”, que possuem características únicas. A prática do surfe no litoral capixaba e na Foz do Rio Doce está diretamente relacionada à promoção do turismo, comércio e serviços nas comunidades atingidas, movimentando dessa maneira a economia local, enfatizou.
No entanto, diz o vereador, desde o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana (MG), em 2015, o que se verifica em Regência é a falta de segurança em relação à qualidade da água e ao receio da contaminação, assim como a privação abrupta de seu uso, e consequentemente, a interrupção de atividades de lazer e práticas esportivas, resultando no enfraquecimento do turismo, comércio, projetos sociais voltados ao ensino de práticas esportivas e espaços de sociabilidade.
Ele diz que o comprometimento da prática do surfe também ocasionou o enfraquecimento das redes de relações sociais e comunitárias, devido à alteração nas práticas de sociabilidade que ocorriam cotidianamente entre os praticantes do esporte. Os surfistas, portanto, foram diretamente atingidos pelo desastre-crime de 2015. “Conceder as ondas da foz do Rio Doce especial proteção significa garantir que esse importante elemento do ciclo ecológico da cidade seja preservado e conservado em toda sua amplitude, desde os corpos d’água que a compõem até aos espaços de interesse cultural, ambiental e turístico a qual ela faz parte, e a partir dela existem”, enfatiza.
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