Antônio Cesar Machado da Silva, doutor em Sociologia, docente da Faculdade de Ensino Superior de Linhares (Faceli) e vereador em Linhares, escreveu um artigo com o titulo: “Pelo fim dos consensos políticos”. O texto traz importante reflexão sobre o equilibro de pode do líder e o que podemos aprender até com uma matilha de Mabeco, espécie de cachorro selvagem africano. Vale apena conferir o artigo.
Pelo fim dos consensos políticos
“Como professor de Sociologia, com especial interesse pelos processos políticos, principalmente os decisórios em uma sociedade, passo parte do meu tempo livre “googleando” sobre o assunto. Em um desses dias, li um estudo sobre o Mabeco, espécie de cachorro selvagem africano, cujas matilhas são governadas de modo autoritário, no que, até aí, não é nada fora do comum no mundo dos canídeos.
Contudo, foi surpreendente descobrir que os membros da matilha possuem um mecanismo político com o objetivo de equilibrar o poder do líder. Quando decidem abandonar um local em busca de novas caçadas, qualquer membro pode convocar uma assembleia e, através de espirros, votar pelo caminho a seguir. Assim, mesmo a contragosto, o líder deve acatar a decisão do grupo, independentemente da sua força, experiência ou aparência. Mas o que essa história nos ensina?
Enquanto para outros seres vivos o tamanho, as cores e os sons servem para impor determinada decisão, para nós humanos a troca de ideias é ferramenta indispensável para sobrevivermos, não só enquanto sociedade, mas como espécie. Nesse sentido, a política é uma atividade humana em sua essência e a comunicação desempenha papel crucial nas escolhas.
De fato, conforme a filosofia de Aristóteles, somos animais políticos, ou seja, seres racionais dotados da capacidade de avaliar, sob o ponto de vista lógico, nossas ações, na tentativa de alcançarmos o bem comum. Além disso, é importante destacar o aspecto não normativo dessas ideias. Isto porque o conteúdo daquilo definido como socialmente útil é elaborado nas próprias interações entre as pessoas e não é dado por natureza.
Desta forma, para a realização da condição humana, a divergência de ideias precisa ocupar a comunidade política (polis), do contrário, a inexistência da pluralidade de pensamentos e práticas coloca em risco a vida coletiva e as possibilidades de autorrealização. Daí se pode verificar quão indispensável é o fortalecimento de espaços marcados por ideias políticas divergentes.
Diante de sociedades marcadas por diferenças de gênero, étnicas, geracionais e educacionais, torna-se tarefa urgente superarmos a crença no consenso como saída exclusiva para os conflitos humanos. Afinal, o consenso tem por consequências a anulação do contraditório e a extinção de diferentes interpretações da realidade.
Se continuarmos a acreditar nesse conto de fadas político, a possibilidade de uma sociedade melhor para todos e todas ficará cada vez mais distante e os rumos coletivos permanecerão concentrados nas mãos de poucos aproveitadores, responsáveis por definir o que é válido debater.
Talvez seja o momento de aprendermos com os Mabecos, pois mesmo entre animais selvagens movidos pelas necessidades mais básicas de sobrevivência, os interesses comuns são colocados em primeiro plano, a despeito das vontades do chefe, uma vez que outros caminhos podem ser escolhidos e em assembleia decididos.
Sem dúvidas, somos animais políticos. Contudo, cabe decidirmos se somos mais animais ou mais políticos. Quando nos vermos em espaços onde se clama pelo consenso, e se suprime a pluralidade, recorramos aos Mabecos e a sua capacidade de levantar o nariz e apontar para outras direções.
* Texto de: Antônio Cesar Machado da Silva é doutor em Sociologia, docente da Faculdade de Ensino Superior de Linhares (Faceli) e vereador em Linhares.