Seis meses após a madrugada do dia 21 de abril, a irmã de Juliana Sales quebrou o silêncio e conversou com exclusividade com o jornalismo da Rede Vitória. Juliana é mãe dos irmãos Joaquim Alves Sales, de 3 anos, e Kauã Sales Butkovsky, de 6 anos, mortos carbonizados após um incêndio na residência onde moravam com a mãe e com Georgeval Alves, pai de Joaquim e padrasto de Kauã, em Linhares, no norte do Estado. Juliana e Georgeval respondem pelos crimes de duplo homicídio, estupros de vulneráveis e fraude processual. Georgeval responderá ainda pelo crime de torturas.
Para não chamar atenção, a irmã de Juliana recebeu a equipe de reportagem na casa de amigos. Durante a entrevista, com quase uma hora de duração, a irmã de Juliana falou sobre como tem sido a vida da família sem os sobrinhos; a relação do casal; as incertezas sobre o que aconteceu na madrugada do dia 21 de abril; deu detalhes sobre a rotina de Georgeval Alves, pai de Joaquim e padrasto de Kauã; além de falar sobre as visitas da família a Juliana no presídio.
Georgeval Alves foi preso no dia 28 de abril, uma semana após o incêndio. Ele foi acusado pelo Ministério Público do Espírito Santo de estuprar, agredir e queimar as crianças ainda vivas. Ele segue detido no Centro de Detenção Provisória de Viana.
Apesar de Juliana, mãe dos irmãos, não estar na casa na noite do incêndio, ela foi presa em Teófilo Otoni, Minas Gerais, no dia 19 de junho. Segundo denúncia do Ministério Público, a mãe das crianças foi omissa e sabia dos abusos que as vítimas sofriam. Juliana ficou presa por alguns dias em um presídio do estado mineiro, mas foi transferida para o presídio feminino de Cariacica, onde permanece até os dias atuais.
Confira os principais trechos da entrevista com a irmã de Juliana Sales:
Folha Vitória: No último domingo (21), completou seis meses do incêndio na residência onde sua irmã morava com Georgeval e as crianças. Qual o sentimento da família?
Irmã de Juliana: É muito difícil. É impossível esquecer, no dia a dia, tudo que aconteceu. Mas a data tem um peso, foi um domingo muito… (choro). É como se o tempo passasse rápido demais, sabe? Seis meses que tudo aconteceu, que a vida de todo mundo da família mudou. Seis meses de caos, de confusão. A minha mãe não está bem há algum tempo.
O que você se lembra da madrugada do dia 21 de abril?
Era por volta de 2h30, 2h40 da manhã. Eu fui até a casa deles, tinha muita gente. O local estava isolado, o Corpo de Bombeiros já estava lá [na casa]. O Georgeval corria de um lado para o outro, desesperado. A primeira fala dele pra mim foi: ‘socorro! entra lá e pega as crianças, os bombeiros não querem me deixar entrar’. Ele estava desnorteado, ficava de um lado para o outro, estava em choque. Meu coração tinha esperança de que as crianças estavam vivas, que teriam corrido para o banheiro, para o closet, para área de serviço, não sei.. (silêncio).
Como Juliana ficou sabendo do incêndio? Ela deu dicas dos locais onde as crianças poderiam estar?
Ela estava em Minas Gerais. Alguém ligou primeiro, ela imaginou que era trote, algo do tipo. Depois, um bombeiro ligou para Juliana e pediu ajuda, falou mais sério com ela, pediu explicações sobre a casa. Juliana não acreditou no início, depois falou alguns possíveis lugares, como closet, a segunda porta, a terceira porta. Ela ficou agoniada, rodando no quarto do hotel onde estava hospedada. Pra ela, a casa tinha pegado fogo mas ela não sabia, até então, das crianças, o que tinha acontecido.
Qual foi a reação de Juliana ao chegar na sua casa e ter ciência de tudo o que houve?
Foi desesperador. (Silêncio). Todos estavam na minha casa, ela entrou e foi direto por quarto, onde estava Geogeval. Ela gritava muito, de desespero, sabe? De angústia, dor…Foi horrível. A reação dela a porta fechada, ela gritando… eu não aguentei e comecei a chorar muito. Quando eu entrei no quarto, ela me abraçou e disse: ‘irmã, saiu quatro crianças de mim, mas agora só tenho uma. Eu perdi três, irmã… por quê?’ Ela não entendia…
Quando Juliana viajou para Minas, ela ficou tranquila em deixar as crianças com Georgeval?
Sim, muito tranquila. Eu até pedi para ficar com os meninos, mas ela pediu para eu falar com o Georgeval. Ela só me pediu para dar um auxílio, me deixou à vontade. (…) mas os meninos queriam ficar com o pai deles.
Como era a relação de Georgeval com os filhos?
Kauã era o mais novo e queria ser igual ao Georgeval, queria ser pastor. Eles tinham uma relação muito boa, não tenho nem o que questionar. O Georgeval era o pai do Kauã, ele era presente, ia nas reuniões, fazia de tudo, sabe? Comprava as coisas, ia nas reuniões do colégio. A referência de pai dos dois sempre foi o Georgeval.
De acordo com o Minstério Público, as crianças sofriam agressões e abusos. Um deles chegou até a fazer o relato na escola. Vocês nunca perceberam algo?
Não. A Juliana nunca comentou nada. Nunca percebemos, principalmente porque o Georgeval não ficava muito sozinho com as crianças. O único tempo sozinhos literalmente foi quando tudo aconteceu [noite do incêndio]. (…) nunca teve nada que a gente olhasse e falasse: ‘está acontecendo algo, isso não é normal’. Nunca teve.
Ainda na denúncia, o MPES diz que Georgeval, juntamente com Juliana, buscava uma ascensão religiosa e, principalmente, aumentar a arrecadação de fieis. na sua opinião, como a senhora entende isso?
Para ser sincera, Juliana e Georgeval tinham uma vida muito boa para terem que matar os filhos para ter dinheiro. Georgeval veio de São Paulo, era reconhecido, tinha dinheiro, eles largaram tudo para viver em Deus. Se quisessem dinheiro mesmo, teriam procurado outra forma. O salão, por exemplo, estava ótimo. Eles tinham bastante dinheiro… isso que foi apontado, é até absurdo cogitar isso.
Para justificar a prisão da sua irmã, o MPES diz, na denúncia, que Juliana foi omissa e assumiu os riscos ao deixar as crianças sozinhas com Georgeval. O que você diria sobre isso?
Olha, a gente conhece a Juliana mais do que qualquer pessoa. Juliana como mãe era maravilhosa, fazia de tudo pelos meninos. Como mãe, tenho absoluta certeza de que ela teria falado se tivesse acontecido algo, não tenho dúvidas. Juliana é forte, ela ia falar, teria denunciado para a polícia, tenho certeza. A prisão dela é uma injustiça, não entendemos até hoje por que Juliana está presa.
Diante de tudo que foi divulgado, dos laudos, das perícias, como o resultado das investigações foi recebido pela família?
Pra gente, é muito difícil acreditar o abuso, sabe? Não acredito! Se tivesse falado ‘Georgeval matou e colocou fogo nas crianças’, talvez seria até mais fácil de ‘engolir’, mas abuso não. Eu sinto que não aconteceu, eu não acredito. Vou viver uma incerteza. Se o Georgeval, um dia, falar algo, talvez eu consigo acreditar. Mas por mim, por conhecer o Georgeval, eu não consigo acreditar.
Acredita que Georgeval será condenado?
Ele já foi condenado muito antes, né? Logo quando saiu toda a perícia, todo mundo tinha não. É o que vai acontecer pelas perícias. (…) Eu tenho muita dúvida, vou conviver com isso pelo resto da minha vida. Se o Georgeval disser ‘eu fiz’, eu vou acreditar. Mas assim, não acredito que a gente foi enganada tanto tempo, ele como pai era um exemplo, ele era um bom pai para as crianças.
Como está o filho da Juliana que está vivo?
Ele está muito bem cuidado, bem tratado, recebendo todo amor e carinho. Ele chama si pela mãe, mas por ser muito novo. Mas está lindo!
Você tem visitado a Juliana no presídio, em Cariacica?
A cada quinze dias, tenho ido vê-la. Ela não está bem… ficou um pouco mais tranquila nas últimas semanas pelo fato das coisas andarem, do processo caminhar, para ela isso é melhor. Ela chora bastante ainda por causa das crianças, fica abatida, triste, sente falta do filho que está vivo. Ela está perdendo a melhor fase dele. (Pausa, choro).
Juliana continua sozinha na cela?
Não, tem uns dois meses que está acompanhada de umas sete meninas. Elas convivem de forma tranquila, tratam bem a minha irmã, andam juntas. O fato dela não ficar mais sozinha tem ajudado, ela tem com quem conversar, desabafar.
Você visitou o Georgeval na prisão?
Não visitei. Acho que ainda não estou preparada para passar por isso agora, preciso estar com meu emocional em dia, muito bom, principalmente por não saber como será minha reação ao encontrá-lo. Não quero de nenhuma forma feri-lo, a incerteza do que aconteceu segue no meu coração.
Se você encontrasse hoje com o Georgeval, o que falaria para ele?
(Silêncio) Não sei qual seria minha reação. Eu jamais iria acusá-lo, mas também não sei qual seria minha reação. Da mesma forma que não conversei quando aconteceu o incêndio, não sei como seria agora. Acredito que eu perguntaria para ele o que aconteceu, olharia nos olhos dele, perguntaria, sabe? Essa pergunta foi… (choro).
Fonte – folhavitoria