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Caso Kauã e Joaquim: depoimentos de testemunhas revelam indícios de frieza e crueldade na morte dos irmãos

Desleixo ao informar erroneamente o quarto onde as crianças estavam na noite do incêndio; nenhuma tentativa de entrar na residência; ausência de lesões ocasionadas por queimaduras ou corpo sujo de cinzas; questionamento durante a perícia para saber se Kauã e Joaquim haviam sofrido para morrer; organizar uma entrevista com jornalistas para falar dos fatos dias após a morte das crianças.

Os trechos acima foram citados por testemunhas e referem-se ao comportamento de Georgeval Alves na noite do incêndio que matou os irmãos Kauã Sales, de 06 anos, e Joaquim Alves, de 03 anos. Os fatos narrados causaram “estranheza” ao juiz responsável pelo caso, André Bijos Dadalto, da 1ª Vara Criminal de Linhares.

Em um documento de 27 páginas, o magistrado decidiu pela pronúncia de Georgeval Alves, pai de Joaquim e padrasto de Kauã. Isso significa que Georgeval vai a júri popular pelos crimes de homicídio duplamente qualificado, estupro de vulneráveis e tortura. Já Juliana Sales, mãe dos irmãos e esposa de Georgeval, foi impronunciada, ou seja, não será levada a júri popular. Os dois também respondiam pelo crime de fraude processual (modificar o local do crime, os objetos relacionados etc.), mas ambos foram absolvidos sumariamente desta acusação.

Os irmãos Joaquim e Kauã, de 03 e 06 anos, respectivamente, foram mortos carbonizados no dia 21 de abril do ano passado, na residência onde moravam com a família, em Linhares. Segundo a Polícia Civil, Georgeval Alves estuprou, agrediu e queimou as crianças ainda vivas. Juliana Sales não estava em casa no dia do crime, mas foi acusada de omissão pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES).

Confira abaixo os principais trechos de depoimentos prestados pelas testemunhas que revelam, segundo o juiz responsável pelo caso, indícios de autoria do crime por parte de Georgeval Alves, bem como fatos narrados que causaram “estranheza” ao juízo:

 – Momentos antes do incêndio

Depoimento prestado por um investigador da Polícia Civil revelaram o que aconteceu horas antes do incêndio ter início, com base em imagens de uma câmera de videomonitoramento de uma residência.

“por volta das 18h30 [sexta-feira, noite anterior ao incêndio] ele [Georgeval] esteve com as crianças na sorveteria Aloha tomando sorvete, fazendo uma foto e, posteriormente, foi para sua casa, pegou um veículo que estava estacionado em sua garagem e se dirigiu até a casa de alguns “irmãos de igreja” no bairro Aviso, retornando por volta das 22h30. […] as imagens mostram que ele saiu de casa em 01 (um) veículo Corsa Classic, de cor preta, de propriedade de um amigo e membro da igreja, que cedia o carro. É possível visualizar a porta de trás do carro abrindo, onde acredita que as crianças saem do veículo, já que pelas imagens não é possível ver. Passados aproximadamente 30 (trinta) minutos o acusado GEORGEVAL retorna ao carro por 02 (duas) vezes, abre o porta-malas, não sabendo se ele pega ou não algo, retorna para o interior da casa, apaga a luz da varanda e um facho de luz é produzida pelo vidro da janela do quarto. Do momento em que o acusado GEORGEVAL entra em casa até sua saída para a frente da mesma ultrapassada aproximadamente 01 (uma) hora e 40 (quarenta) minutos, não sendo possível descrever o que ocorreu no interior da casa. Disse que o réu GEORGEVAL fica estático por aproximadamente 02 (dois) minutos e em seguida é possível ver um facho de farol subindo, que retorna na contramão de direção e em seguida chega o Corpo de Bombeiros.”

– Informação errada sobre o quarto das vítimas

Segundo o juiz narra na decisão, causou estranheza o fato de testemunhas informarem que não escutaram gritos de crianças no local. Outro fato que chamou a atenção foi o fato de Georgeval ter informado, a princípio de forma equivocada, o quarto onde os irmãos estavam.

““[…]; Que do lado de fora foi possível perceber que a casa estava pegando fogo, pois estava saindo muita fumaça pelo teto; […]; Que antes de adentrarem na casa, o declarante e seu irmão perguntaram em qual quarto as crianças estava, tendo o dono da casa dito que elas estavam no quarto do meio; Que o declarante entrou na casa e foi até um quarto que não estava pegando fogo, mas não encontraram as crianças; Que quando retornou, Georgeval informou que o declarante havia entrado no escritório e que o quarto das crianças seria o próximo situado mais no fundo o corredor; […]; Que o declarante e seu irmão tentaram se aproximar do quarto das crianças, mas não conseguiram porque o calor estava muito forte e estava saindo muita fumaça do local; Que conseguiram chegar bem próximo ao quarto, vendo que a porta estava aberta, porém não era possível chegar sequer até a porta; […]; Entretanto, segundo declarado por Georgeval, quando chegou ao quarto já não havia mais energia e estava muito escuro e quente, motivo pelo qual não conseguiu encontrar as crianças apesar de ter chegado a tocar o beliche.”

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– Nenhuma tentativa de entrar na casa para salvar os irmãos

Foto: Divulgação

Em diversos depoimentos de bombeiros militares, policiais civis e outras testemunhas, há um consenso de que, em nenhum momento, o réu Georgeval Alves tentou adentrar na residência para salvar o filho e o enteado.

Um bombeiro militar disse, durante o depoimento, que se Georgeval tentasse entrar no quarto, ele teria, no mínimo, queimado os cabelos: “o acusado GEORGEVAL afirmou que tentou entrar no quarto onde estavam as vítimas, mas devido ao calor ele recuou, enquanto que em entrevista na televisão ele disse que chegou a colocar as mãos na cama. Disse que achou estranho que em momento algum o réu GEORGEVAL tentou entrar em contato com o Corpo de Bombeiros para relatar o incêndio, mas recebeu de terceiros. Disse que o acusado GEORGEVAL não adentrou na casa, somente ficando ao lado de fora pedindo ajuda. […] A versão dada por GEORGEVAL é que ele tentou abrir a porta e como o calor veio sobre ele, recuou. […] disse que o acusado GEORGEVAL não adentrou no quarto, pois se assim tivesse procedido, ele teria, no mínimo, queimado os cabelos. Disse que o denunciado GEORGEVAL sequer estava sujo de cinzas, o que não é comum em casos onde familiares buscam ajudar entes que estão envolvidos em incêndio, as quais além de se sujarem, buscam adentrar no local, o que não ocorreu com GEORGEVAL.”

O depoimento de outro bombeiro militar evidencia que Georgeval não tinha nenhuma queimadura pelo corpo após o incêndio. “Disse que o chefe da equipe de resgate, o acusado GEORGEVAL estava com um sangramento no pé, após machucar o dedão por tropeçar na rua enquanto corria. Disse que segundo o chefe da equipe de resgate o réu GEORGEVAL não tinha nenhuma queimadura no corpo, inclusive destacou que era impossível adentrar no quarto que estava tomado por fogo”.

– Questionamento em relação ao sofrimento dos irmãos durante o incêndio

O depoimento de um investigador da Polícia Civil revelou que durante uma perícia na casa onde os irmãos morreram carbonizados, dias após o incêndio, Georgeval Alves apareceu no local.

“no momento em que estava na casa durante a perícia, compareceu o réu GEORGEVAL acompanhado de outra pessoa, não sabendo dizer quem era, observando as atividades policiais. Disse que o réu GEORGEVAL se aproximou da varanda onde estava o depoente e outros policiais, questionando informalmente se seus filhos haviam sofrido para morrer, mas não sabia o que responder por não ser perito, momento em que ele foi convidado para ser ouvido pela autoridade policial.”

– Encontro com jornalistas

Causou surpresa a um investigador da Polícia Civil o fato do réu Georgeval Alves ter organizado uma entrevista com jornalistas para falar sobre os fatos.

“Na segunda-feira eles foram intimados a prestar depoimento e JULIANA para se dirigir até Vitória/ES para coletar material genético para o exame de DNA, quando então ficou sabendo por pessoas da própria imprensa que GEORGEVAL organizou uma entrevista para falar dos fatos. Os próprios repórteres informaram que acharam estranho o réu GEORGEVAL entrar em contato para dar entrevista. Disse que “organizar a imprensa” quer dizer que o acusado GEORGEVAL “deu uma ajeitada nas perguntas” para não ficar uma entrevista confusa. Disse que os repórteres informaram que havia uma euforia grande devido aos fatos, mas o acusado GEORGEVAL dizia que era para ter calma, pois responderia o que todos queriam saber.”

– Estupro

Na decisão, o juiz diz que verificou nos autos do processo indícios de autoria quanto ao crime de estupro de vulneráveis, já que foi detectada a substância PSA (Antígeno Prostático Específico) nas amostras swab anal de ambas as vítimas Joaquim e Kauã. O juiz evidencia ainda que um médico legista, testemunha do caso, afirmou em depoimento: “foi detectado nas duas vítimas com análise do swab anal a presença de PSA, o que é indicativo de coito anal”.

– Tortura

Para o juiz, há fortes indícios de que os irmãos Kauã e Joaquim sofreram torturas. Isso porque foi encontrado sangue da vítima Joaquim no interior da casa. Além disso, segundo o juiz, há farta prova de que os irmãos estavam vivos durante o incêndio.

“[…] conforme o laudo pericial complementar de local, foi detectada a presença de manchas de sangue, com a utilização e aplicação do Bluestar Forensic, destacando o referido laudo que as manchas foram encontradas “em uma paleta localizada no lado direito do terço inferior da persiana da janela do escritório; no piso abaixo da escrivaninha do escritório, próximo a uma marca retangular de alimpadura, com pouca deposição de fuligem; parede do box do banheiro social; folhas dos vidros do box do banheiro social e piso do banheiro externo”, inclusive foi constatado “marcas de esfregaço na folha de vidro do box do banheiro social, próximo ao puxador”. Relata, ainda, o destacado laudo pericial, que as amostras dos vestígios de sangue pertencem à vítima Joaquim. O laudo complementar de exame em local de incêndio concluiu que as vítimas Joaquim e Kauã estavam vivas antes do incêndio, dada “a concentração do cianeto e da carboxihemoglobina relacionadas com os seus efeitos tóxicos, isoladamente, seriam incapazes de provocar a morte”.

Juliana Sales não vai a júri popular

Foto: TV Leste

Juliana Sales, mãe dos irmãos mortos carbonizados Kauã Sales, de 6 anos, e Joaquim Alves, de 3 anos, foi impronunciada dos crimes, na forma omissiva, de homicídio duplamente qualificado e estupro de vulneráveis. Ela também foi absolvida do crime de fraude processual. A decisão, publicada na quinta-feira (02), é do juiz André Bijos Dadalto, da 1ª Vara Criminal de Linhares. Com isso, Juliana Sales, que respondia pelos crimes em liberdade desde o dia 30 de janeiro deste ano, não vai a júri popular.

Segundo o magistrado, Juliana Sales não estava em Linhares na madrugada do dia 21 de abril de 2018, quando aconteceu o incêndio na residência onde a família morava. Além disso, ainda na decisão, o juiz diz que não consta nos autos do processo provas cabais para convencer o magistrado de que a mãe dos irmãos tenha sido omissa.

Defesa

A defesa de Georgeval Alves e Juliana Sales informou que todas as provas dos autos do processo reforçaram que a mãe das crianças não teve nenhuma participação no ocorrido na madrugada do dia 21 de abril. Sobre a decisão de levar Georgeval a júri popular, a defesa informou que vai recorrer da sentença de pronúncia.

Acusação

O advogado Siderson Vitorino, que representa a família de Rainy Butkovsky, pai biológico de Kauã Butkovsky, disse que embora o juiz não tenha pronunciado Juliana, a acusação vai recorrer. “Por ora, ela escapou do Tribunal do Júri, mas a acusação vai, junto com o Ministério Público do Estado, manejar recurso para que ela passe sim pelo Conselho de Sentença. Nosso desejo é que Juliana responda, junto com Georgeval, pelo crime de homicídio”, disse.

 

 

 

 

 

Fonte – folhavitoria

 

 

 

 

 

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